terça-feira, 15 de setembro de 2009

Gone (oneshot)




Mais um dia que tinha acabado. Georg sentou-se na cadeira de baloiço no quarto da filha e ela encolheu-se no seu colo, como fazia todas as noites. Como sempre, Georg pegou num dos livros da prateleira mais próxima e leu à sua filha uma história de príncipes e princesas, embalando-a suavemente nos seus braços. Notou que ela tinha adormecido porque deixara de chuchar no polegar direito e calou-se, mas continuou a embalá-la e a olhá-la carinhosamente.

Não conseguia evitar. Sempre que olhava para ela era como se estivesse a ver outra pessoa. Aqueles olhos castanhos, grandes e brilhantes, sempre atentos a tudo o que os rodeava; aquele sorriso genuíno, sempre presente na sua face oval e morena; aqueles cabelos lisos, escuros como ébano, que passavam bastante dos ombros. Apesar de ter apenas quatro anos, Mackenzie era uma autêntica fotocópia da mãe.

Deixou que passassem alguns minutos e depois deitou-a na pequena cama, aconchegando o lençol e o cobertor ao seu corpo frágil para que não apanhasse frio durante a noite. Deu um beijo na testa dela, apagou o candeeiro da Disney e levantou-se. Preparava-se para sair do quarto quando a voz doce da filha o fez estacar.

- Papá... – disse ela, um pouco a medo – Vem cá...

Georg ficou espantado por ela ter acordado, mas deu meia volta e sentou-se na beira da cama. Reacendeu o candeeiro da mesinha de cabeceira e...lá estava de novo. Os grandes olhos castanhos que o fixavam atentamente, o sorriso tímido que lhe bailava nos lábios cor-de-rosa, os cabelos negros espalhados pela almofada branca. Tomou a mão da filha e sorriu encorajadoramente, para lhe mostrar que não estava aborrecido por ela ainda estar acordada.

- Papá... – recomeçou ela, apertando a mão dele com força – Tenho saudades da mamã...
Georg sentiu um aperto forte no coração e o sorriso esvaiu-se da sua face, agora pálida.


[ FLASHBACK ]


Georg acenou e viu-a responder com um sorriso do outro lado da rua. Como ele gostava de ver aquele sorriso cintilante ser dirigido só para si...

Ela aproveitou a ausência de carros naquele momento e atravessou a rua a correr, ansiosa por estar novamente com o seu amado. Os seus cabelos negros voavam atrás de si, tal como o vestido fino e florido que salientava cada traço do seu corpo elegante.
- Georg, tive saudades tuas!! – Exclamou ela, abraçando-o com força.

- Claire, só estivemos longe um do outro durante 10 minutos! – Disse ele a rir-se enquanto a abraçava de volta.

- Eu sei, mas pronto... – ela encolheu os ombros, pegou na mão dele e começou a caminhar, puxando-o com ela – Sabes que eu não consigo estar longe de ti...

Ele sorriu, sabendo perfeitamente que sentia o mesmo em relação a ela. Largou a mão dela e pôs o braço à volta dos seus ombros.

- Olha o que eu te comprei! – Exclamou ele, revelando uma rosa vermelha que até então tinha estado escondida.

Claire soltou uma exclamação de surpresa ao ver a bela rosa, semi-aberta, com as gotas de água a repousar nas suas pétalas vermelhas e a brilhar alegremente ao sol.

Ela hesitou antes de falar, pois estava emocionada. Por qualquer razão, Claire ficava sempre emocionada quando lhe ofereciam flores.

- Mentiste-me! – Disse ela com a cara mais séria que conseguiu fazer - Disseste-me que ias levantar dinheiro!

Georg limitou-se a encolher os ombros e apresentar o seu ar mais angelical.


[ FIM DE FLASHBACK ]


- Eu também, Mackie. Eu também… – disse ele num sussurro rouco.

O silêncio daquela noite fria de inverno envolveu-os no seu abraço gelado durante o que pareceram ser várias horas. Georg acariciava com o polegar a pequena mão da filha, enquanto tentava reprimir as recordações que teimavam em entrar na sua mente.

Tinha sido muito difícil aceitar a ausência da sua esposa e não passava um único dia sem que se lembrasse dela. Georg teimava em usar a aliança de ouro no dedo em que Claire a tinha colocado no dia do casamento.

- Papá... Onde está a mamã? – Perguntou Mackenzie de súbito.


[ FLASHBACK ]


Um homem passou a correr por eles, dando um encontrão a Claire e fazendo com que ela deixasse cair a flor. Georg e Claire viraram-se para trás, indignados pela falta de educação. Logo a seguir, passaram por eles dois polícias, também a correr. Um dos polícias levantou o braço direito e premiu o gatilho da pistola preta que carregava e um tiro ecoou por toda a rua e redondezas. Quase de imediato, o vidro frontal do carro ao lado do fugitivo desfez-se em pedaços. O homem não parou de correr mas virou-se para trás e também atirou sobre os polícias.

A bala passou pelo meio dos dois homens, que se afastaram, e seguia a grande velocidade em direcção a Georg e Claire. Para a proteger, Georg colocou-se à frente de Claire, entre ela e a bala. No entanto, não foi rápido o suficiente. A bala passou-lhe de raspão, fazendo um corte não muito profundo no seu braço e foi atingir Claire, trespassando-lhe o peito e alojando-se num pulmão.

- Claire! – Gritou ele, quando a sentiu desfalecer nos seus braços – Claire, olha para mim...

Deitou-a no chão com cuidado, ajoelhou-se ao lado dela e pressionou a ferida com a mão. O sangue não parava de jorrar, manchando de vermelho o belo vestido de verão que ela envergava.

Algumas pessoas começaram a juntar-se à volta deles, tentando ver o tiroteio entre os polícias e o ladrão ou ver quem tinha sido ferido e estava deitado no empedrado do passeio.

- Alguém pode chamar uma ambulância? – Gritou o Georg em desespero.

- Georg... – disse Claire com dificuldade.

- Não fales, Claire, poupa as tuas forças... – interrompeu Georg, limpando com o polegar da mão limpa as lágrimas que brotavam dos olhos dela.

- Eu não aguento... Não consigo respirar...

- A ambulância já vem a caminho – informou alguém atrás de Georg.

- Vais conseguir sim! Tens de conseguir! – Georg sorriu para lhe dar força – A ambulância já vem aí, ouviste? Aguenta, amor...

- Eu amo-te, Georg... Amo-te tanto... – Claire falava com dificuldade e apertava a mão de Georg com força.

- Eu também te amo muito, Claire... – lágrimas invadiram os olhos de Georg e começaram a escorrer rapidamente pela sua cara – Não me deixes...

- Diz à Mackie que a amo muito...

- Nada de despedidas, Claire, tu vais ficar bem!

Georg beijou a mão de Claire e depois os seus lábios.

- Estás ferido... – comentou ela ao ver sangue a escorrer pelo braço de Georg.

- Isto não é nada. Nem me dói... – assegurou-lhe ele, apertando-lhe suavemente a mão como confirmação.

Os minutos passaram e o amontoado de pessoas à volta deles aumentou. Limitavam-se a assistir à cena murmurando ocasionalmente para a pessoa ao lado deles.

- Georg.... – Chamou Claire mais debilmente. Cada vez tinha mais dificuldade em respirar e a sua voz não passava de um sussurro. Estava cada vez mais pálida e fria.

- Shhhh... Não fales agora... Poupa as tuas forças...

Com as lágrimas ainda a cair, Georg beijou-a novamente e sentiu a mão de Claire apertar a sua cada vez com menos força.

- Claire? Claire, não me faças isto... – Georg levantou o tronco dela e abraçou-a – Claire, não me deixes agora...


[ FIM DE FLASHBACK ]


- Eu já te disse onde está a mamã, filhota... – respondeu Georg, acariciando a face de Mackenzie.

- Sim, eu sei... Mas diz outra vez...

Georg suspirou e baixou o olhar.

- São horas de dormir, Mackie...

Ela apertou a mão dele com um pouco mais de força e ele olhou para ela. Nos olhos dela viam-se algumas lágrimas a brilhar, prestes a cair.

- Oh, não me olhes assim...

- Vá lá, papá...

- Pronto, está bem – acedeu Georg, suspirando novamente.

Ela sorriu abertamente e sentou-se na cama, com os braços erguidos para ele. Ele pegou-a ao colo e ela prendeu os braços à volta do pescoço do pai para se sentir mais segura. Georg levou-a até à janela e sentou-a no parapeito. Enquanto a filha brincava com as cortinas, Georg levantou a persiana e abriu a janela, sendo invadido por um frio cortante. Pegou rapidamente no roupão de Mackenzie e pô-lo sobre as costas dela, para ela o vestir. Ela virou-se e pôs as pernas de fora da janela, enquanto Georg mantinha um braço fortemente preso na cintura dela para que ela não caísse quando se inclinasse para a frente.

- Estás a ver aquela estrela ali? – Apontou Georg com o braço livre – Aquela, a mais brilhante de todas?

A filha assentiu com a cabeça e sorriu.

- É ali que a mamã está, para nos poder ver bem e tomar conta de nós.

- Boa noite mamã – disse ela, após um longo silêncio.


**************


Georg encostou a porta do quarto da filha e dirigiu-se ao seu. Fechou a porta e encostou-se a ela, deixando que as lágrimas fluíssem livremente pela sua cara. Não queria chorar à frente da filha, mas não ia aguentar nem mais um segundo. Sentou-se no chão, encostado à porta, e puxou um joelho ao peito.

Tinha tantas saudades da sua esposa... Tantas... Desde que ela partira que ele não tinha tido uma única noite calma, sem sonhar com ela. Nunca tinha amado ninguém como a amava a ela e tinha a certeza que nunca amaria mais ninguém daquela forma. Ela fazia-lhe tanta falta...

-Porquê? – Perguntou ele com a voz embargada, fixando um ponto no vazio – Porque a tiraste de mim?
Georg culpava Deus por Claire já não estar com ele e com Mackenzie. Se Deus realmente existia, porque não tinha ele realizado um milagre para salvar Claire? Porque tinha ele colocado o perigo no caminho dela?

Estendeu o braço e pegou na moldura que estava em cima da sua mesa de cabeceira. Uma foto do dia do casamento deles, um dos dias mais felizes da vida deles.


[ FLASHBACK ]


Georg e Claire sorriram um para o outro. Ela ajeitou o colarinho de Georg e olhou-o com carinho.

- Estás todo aperaltado, hoje... – disse ela.

- Sim, mas tu... Estás simplesmente deslumbrante... – respondeu ele embevecido, perdendo-se no seu olhar intenso e profundo.

Claire corou ligeiramente e sorriu. Tinha sido difícil escolher o vestido perfeito, mas tinha conseguido. Sentiu-se feliz por saber que Georg tinha gostado.

- Vá lá, uma última foto – pediu o fotógrafo, baixinho e quase completamente careca.

Só faltava a foto do beijo. Aquela por que eles tanto tinham esperado. Georg agarrou Claire pela cinta e ela pôs as mãos nos ombros dele.

- Ainda bem que estás a usar saltos altos, senão tinhas de te pôr em bicos de pés... – comentou ele, rindo-se.

- Cala-te, Hagen, e beija-me...

Ele não precisou que ela repetisse e beijou-a com paixão. Descarregou naquele simples beijo tudo o que estava a sentir naquele momento, aquele turbilhão imenso de emoções.


[ FIM DE FLASHBACK ]


Georg fixou a fotografia e sorriu enquanto recordava aquele dia tão feliz. Ela era a única pessoa que conseguia arrancar um sorriso da cara dele naqueles momentos em que perdia o controlo. Relembrar o seu sorriso, o seu toque, o sabor dos seus lábios... Lembrava-se tão bem que podia jurar que tinha sentido tudo isso há apenas alguns minutos.

Respirou fundo, limpou as lágrimas e voltou a pousar a moldura. Deitou-se do lado esquerdo da cama e abraçou a almofada que costumava ser dela. Adormeceu numa questão de segundos, inspirando o odor levemente adocicado do perfume favorito de Claire.




FIM

0 comentários: